Eduardo Magrani, co-coordenador do Creative Commons no Brasil

“A Biblioteca Nacional eventualmente confunde a propriedade física com a propriedade imaterial”

Chico de Paula - Entevista Eduardo Magrani FGV

Nesta entrevista concedida à equipe da Revista Biblioo nas dependências da Fundação Getúlio Vargas (FGV), no Rio, o pesquisador do Centro de Tecnologia e Sociedade (CTS) da FGV, Eduardo Magrani, esclarece questões importantes sobre o trabalho da Creative Commons Brasil, da qual ele é co-coordenador.

Em que consiste o Creative Commons e quais são as licenças utilizadas?

Temos a Lei de Direitos Autorais, a 9.610, que é datada de 1998 e protege muito a figura individual do autor e dos intermediários, que são os titulares dos direitos autorais, quando eles são transferidos. Mas [a Lei] protege muito pouco os interesses da coletividade e fornece poucos instrumentos para o criador gerenciar seus direitos, fica muito a cargo dos intermediários. A licenças Creative Commons foi uma solução que partiu da própria sociedade para tentar resolver esse problema de gerenciamento dos direitos autorais, permitindo que o próprio criador possa, de uma vez só, dizer a toda sociedade quais direitos exatamente ele está abrindo mão e que a sociedade pode fazer uso com segurança jurídica de não ser processado por fazer uso daquele conteúdo autoral que ainda não se encontra em domínio público. Porque quando uma obra está em domínio público é um regime de âncora, de liberdade, estão extintos os direitos patrimoniais, ficam apenas os direitos morais. Ainda assim quando uma obra não está em domínio público as pessoas têm muita insegurança porque a lei é extremamente protetiva. A licença Creative Commons, por ser livre de uma vez só, comunica de forma clara quais usos o autor está abrindo mão, dando mais seguranças para as pessoas utilizarem esse conteúdo e é fantástico do ponto de vista ao acesso à cultura e informação. Tem duas vertentes: você pode tanto procurar conteúdo, como publicar se você for um criador. Para procurar esse conteúdo, têm vários canais como uma foto no Flickr, um vídeo no Youtube, uma fotografia no Google imagens etc. Na busca avançada você procura por licenças diferentes das tradicionais de copyright, que tem todos os direitos protegidos e informa qual o uso você pretende, como uso comercial da obra, modificação da obra como, por exemplo, um trabalho de remix. O próprio criador entra no site e responde a uma enquete se ele permite que as pessoas façam uso comercial de determinada obra, modificações, se no uso posterior as pessoas tem que licenciar sobre a mesma licença livre ou não e da resposta dessa enquete sai uma licença para leigos do que pode ser feito e tem uma licença jurídica também com termos mais complexos. Você pode colocar o símbolo do Creative Commons em sites, encartes de cd, livros etc. Não existe uma forma específica de comunicar qual a licença Creative Commons, mas comunicar com clareza, da forma mais transparente possível. É extremamente benéfico em um país como o Brasil, que tem déficit no acesso a obras intelectuais muito forte, as obras são muito caras e os usos que pode fazer se essa obra não está em domínio público são muito restritos é de suma importância o valor das licenças Creative Commons.

Com o cenário da internet essa preocupação com a proteção ficou muito mais dinâmica, talvez por isso tenha surgido a ideia da Creative Commons?

As obras licenciadas em Creative Commons se valem de todo o acesso que as novas tecnologias permitiram para as obras circularem mundialmente.

Em relação ao usuário e essa preocupação constante de fazer a distribuição. Como você enxerga essa questão? O usuário hoje está mais instruído de como fazer uso das obras, ele consegue entender a linguagem do Creative Commonsou ainda existe alguma dificuldade em avançar e entender essa questão?

A linguagem das licenças Creative Commons são muito mais claras do que a própria linguagem da lei que deixa o usuário em uma posição de extrema insegurança em que ele não sabe ao certo o que pode fazer. A redação de várias exceções aos direitos de autor são muito amplas e não permite que uma pessoa saiba que pode copiar com segurança uma quantidade de páginas de um livro sem estar correndo um risco de ser processada, mesmo para fins particulares sem intuito de lucro. Usando a licençaCreative Commons a pessoa sabe que o autor abriu mão de alguns direitos e a licença para leigos informa de maneira muito clara que uso são permitidos.

Qual o papel da Creative Commons aqui no Brasil? Como vocês atuam?

Nós representamos o Creative Commons dando consultorias sobre isso, esclarecendo as pessoas dos problemas atuais de toda restrição da Lei de Direitos Autorais e que usos podem ser feitos, como se dão as licenças, o funcionamento de cada uma delas e em que elas se aplicam.

Em relação aos livros e, sobretudo, ao universo das bibliotecas vocês, tiveram a necessidade de fazer algum esclarecimento para esses profissionais em algum evento? Tiveram alguma demanda desse tipo ou ainda existe pouca procura desses profissionais para ter esclarecimento sobre essa temática?

Tem muita demanda e existe muito desconhecimento com relação à matéria autoral. As pessoas não sabem que usos podem fazer quando uma obra não está em domínio público, inclusive existe muita confusão com o próprio estudo do domínio público. Se uma fotografia está em domínio público o Arquivo Geral do Rio de Janeiro pode cobrar pela reprodução desta fotografia? Existe uma confusão enorme. A Biblioteca Nacional eventualmente confunde a propriedade física com a propriedade imaterial. Na utilização de obras em Creative Commons recebemos algumas dúvidas básicas como algumas pessoas entendem que essas licenças podem proteger mais a obras, quando o intuito é diferente disso: é dar uma abertura maior para o usuário de obra autoral.

Você citou a Biblioteca Nacional. Eles têm o escritório de Direitos Autorais. Vocês estabeleceram algum tipo de diálogo com eles?

Sim. Participei de algumas reuniões porque fui responsável por assessorar a filha do Nelson Werneck Sodré [historiador brasileiro já falecido] junto a Biblioteca Nacional para fazer digitalização das obras e depois colocar em domínio público. Então tive um contato direto com todo o desconhecimento que eles têm nessa matéria.

Disponível em: <http://biblioo.info/eduardo-magrani/>. Acesso em: 29 jun. 2016.